Afisa-PR

Especialistas alertam sobre as consequências da "autofiscalização" privada de produtos de origem animal

Além da insegurança alimentar é flagrante a inconstitucionalidade da privatização em prejuízo da fiscalização pública de produtos de origem animal

 

O documento intitulado "Privatização dos serviços de inspeção dos produtos de origem animal: riscos à saúde pública e consequências econômicas", elaborado por Elmo Rampini de Souza, Eduardo Batista Borges, Carlos Alberto Magioli, Zander Barreto Miranda, Ronaldo Gil Pereira e André Sampaio Ferreira, tem por finalidade alertar as autoridades governamentais, além de oferecer subsídios para impedir as tentativas e as manobras que visam a privatização do serviço de inspeção de produtos de origem animal tutelado pelo Estado. Esse documento é fruto da Comissão de Especialistas (integrada pelos especialistas citados) instituída no dia 3 de julho de 2015, quando era debatido o tema "Modificação do sistema de serviços de inspeção de produtos de origem animal: privatização e perspectivas".

Esse documento abrangeu dois importantes documentos intitulados: (a) "A quem interessa privatizar os serviços de inspeção higiênica, sanitária e tecnológica de produtos de origem animal?" e (b) "Inspeção sanitária e industrial dos produtos de origem animal (controle oficial, sanitário e tecnológico)". O primeiro documento foi elaborado pelo Colégio Brasileiro de Médicos Veterinários Higienistas de Alimentos (CBMVHA) e o segundo foi publicado na Revista, ano 7, nº 23 (maio/junho/julho/agosto de 2001), p. 6-11, do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), cujos autores são eminentes profissionais da área, Jessy Antunes Guimarães e José Christovam dos Santos.

Segundo esse documento, alimentos não seguros podem conter bactérias nocivas, vírus, parasitas ou substâncias químicas, e são responsáveis por mais de 200 doenças conhecidas, que vão desde a diarreia ao câncer.

Exemplos de alimentos não seguros incluem os de origem animal e vegetal contaminados com fezes, e moluscos bivalentes que contenham biotoxinas. Alguns resultados importantes estão relacionados com infecções intestinais causadas por vírus, bactérias e protozoários que entram no corpo através da ingestão de alimentos contaminados. Os números iniciais, a partir de 2010, indicam que:

 

a) Havia uma estimativa de 582 milhões de casos de 22 doenças entéricas [relativo ao intestino; intestinal] transmitidas por diferentes alimentos contaminados e 351 mil mortes associadas; 

b) Os agentes de doenças entéricas responsáveis pela maioria das mortes foram Salmonella typhi (52 mil óbitos), Escherichia coli enteropatogênica (EPEC) (37 mil óbitos) e norovírus [tipo de vírus que pode ser transmitido através da ingestão de alimentos crus manipulados por mãos infectadas] (35 mil óbitos);

c) Mais de 40% das pessoas que sofreram de doenças intestinais causadas por alimentos contaminados eram crianças com menos de 5 anos.

 

Alimentos não seguros também impactam economicamente, especialmente em um mundo que é globalizado. Em 2011, um surto de Escherichia coli na Alemanha causou aproximadamente US$ 1,3 bi em perdas para a agropecuária e indústrias e US$ 236 mi em pagamentos de ajuda de emergência a 22 países da União Europeia (UE).

Esse documento esclarece que o primeiro papel da inspeção e fiscalização dos produtos de origem animal, através da vigilância oficial, tem como eixo central ações de caráter preventivo, a detectar as incidentes infecções, a contribuir ao longo do tempo para medir tendências, e para a introdução de medidas de intervenção e controle.

A literatura especializada sobre a inocuidade dos alimentos de origem animal reporta sobre inúmeros agentes e doenças que são responsáveis pelas doenças transmitidas pelos alimentos (DTA’s), entre as quais destacam-se: Salmonella, Shigella, Echerichia coli, Vibrio parahaemolyticus, Yersinia enterocolitica, Streptococcus, Campylobacter, Clostridium botulinum, Staphylococcus aureus, Clostridium perfringens, Bacillus cereus, Listeria monocytogenes, aspergillus, rotavirus, toxoplasmose, complexo teníose/cisticercose, criptosporidiose, anisaquiose, tuberculose, brucelose, entre outras.  

Esse documento alerta que as DTA’s desempenham importante papel socioeconômico, tendo em vista que podem ocasionar incapacidade laboral temporária, dispendiosos gastos com tratamentos médicos, perdas emocionais, deterioração de alimentos, perda da credibilidade dos estabelecimentos produtores, indenizações e até a prisão dos responsáveis, entre outras consequências.

A Comissão de Especialistas adverte que "O diapasão indissociável, garantindo o padrão de inocuidade aos produtos de origem animal se organiza no conjunto inspeção e fiscalização, alinhadas aos conhecimentos técnico-científicos, garantindo com total isenção a condução dos critérios de julgamento e destinos da matéria-prima, produtos e subprodutos de origem animal, exercendo o poder de polícia sanitária indelegável, a iniciativa privada, pois é uma função de Estado".

O documento do Colégio Brasileiro de Médicos Veterinários Higienistas de Alimentos (CBMVHA) alerta que "Escamotear com afirmações inconsistentes, separando as ações conjuntas de inspeção e fiscalização é desconhecer em sua profundidade a indissociável ação conjunta para o pleno exercício da inspeção em seu caráter pleno" e "Desconhecer estes princípios é menosprezar as ações que se fazem necessárias com o objetivo de preservar a saúde do consumidor, e que se impõem de forma indelegável como ação de Estado".

O poder de polícia sanitária é atribuição exclusiva do Estado, jamais da iniciativa privada, como pretende estabelecer o nocivo projeto de lei 334/2015 que tramita na Câmara dos Deputados. Sem o poder de polícia administrativa, não se realiza, não se executa com independência, isenção e segurança, a atividade do Poder Público.

Por fim, defende-se que o Poder Público não pode transferir, seja por convênios, credenciamento, entre outros subterfúgios legislativos ou administrativos, à iniciativa privada, à particulares, atividades que são inerentes à natureza do Poder Público, ou mesmo conceder direito de opção, que "na essência é permitir a transferência" do poder de polícia administrativa, "além da inadmissível afronta ao submeter a estrutura jurídica da Federação".

 

Modificado em 27-10-2018 em 09:37

 

Matérias vinculadas

4-2-2019 - Associação dos Fiscais da Defesa Agropecuária do Estado do Paraná (Afisa-PR) & UE: novo escândalo da carne exige regulamentação mais rigorosa [Como fica o "autocontrole", ou seja, a privatização da fiscalização pública de produtos de origem animal? O governo do Paraná, através de portaria que introduz um "modelo" rejeitado pelo DIPOA do Ministério da Agricultura, na prática privatizou a fiscalização de produtos de origem animal nos frigoríficos que exigem a presença permanente de um fiscal agropecuário público & EU: New beef scandal requires hardest regulation & How is self-control, that is, the privatisation of public inspection of products of animal origin? The Government of Paraná state, through a ordinance that introduces a "model" rejected by the Ministry of Agriculture's  - DIPOA, in practice privatized the supervision of animal products in slaughterhouses that require the permanent presence of  agricultural inspector public]

26-10-2018 - Associação dos Fiscais da Defesa Agropecuária do Estado do Paraná (Afisa-PR) & Segurança alimentar: alimentos inseguros custam US$ 110 bilhões por ano aos países de baixa e média renda [Estudo do Banco Mundial: seu economista agrícola líder e co-autor do estudo, Steven Jaffee, afirmou que os governos dos países de baixa e média renda — caso do Brasil, citado nesse estudo — precisam ser mais inteligentes para investir em segurança alimentar e monitorar o impacto das intervenções que fazem & Food security: Unsafe food costs US $110 billion per year to low and middle-income countries & World Bank Study: it´s leading agricultural economist and co-author, Steven Jaffee, said the governments of the low-and middle-income countries — the case of Brazil, cited in this study — need to be smarter to invest in food security and Monitor the impact of interventions that make]

2-2-2019 - Sputnik & Europa alarmada: carne bovina contaminada da Polônia chega a Portugal e outros países [Portugal apreendeu e descartou cerca de noventa e nove quilos de carne bovina ilegal provenientes de um matadouro polonês antes de ser comercializada no mercado português]

 

 

1-2-2019 - RFI & França busca carne estragada vendida pela Polônia e distribuída no país [Produto comercializado por abatedouro clandestino teria sido exportado para dez países da União Europeia. Governo francês ainda não sabe se a carne chegou às prateleiras]

1-2-2019 - News24 & WATCH: Poland exported 5 500 pounds of meat from sick cows to EU [Poland sick cow slaughterhouse: meat from closed abattoir 'sold to nine EU countries'. Meat from a Polish abattoir at the centre of a scandal over slaughtering sick cows has been sold to nine other EU countries, Euronews has learned]

 

 

31-1-2019 - Global Meat News & Polish sick cow slaughter triggers Scandinavian probes [Polish prosecutors have launched an investigation into illegal traffic and slaughtering of sick cattle after local journalists covertly filmed workers at a slaughterhouse in Ostrów Mazowiecka, in the country's central region]

 

 

29-1-2019 & Pig Progress & More reliability in Brazil's pig carcass inspection [Brazilian slaughterhouses will soon be required to use accredited external companies to hire assistants who can help and support government inspectors]

27-1-2019 - The Guardian & Secret filming shows sick cows slaughtered for meat in Poland [Undercover film raises fears of serious health risks from major EU exporting country]

 

 

26-1-2019 - TVN24 & Chore krowy trafiają do rzeźni i na nasze stoły. "Ludzie nie świnie, zjedzą wszystko" [W polskich rzeźniach od lat na masową skalę zabija się chore krowy. Jedząc ich mięso narażamy zdrowie i życie. W branży o tym procederze wiedzą wszyscy, ale liczy się tylko biznes. Bardzo opłacalny biznes. Pokazali to w swoim śledztwie dziennikarze "Superwizjera". Jeden z nich zatrudnił się w ubojni, do której trafiało chore bydło]

 

 

4-10-2018 - Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul (Afagro) & Inspeção privada em indústrias ainda não decola no RS, diz reportagem do jornal Zero Hora

 

 

2-10-2018 - GaúchaZH & Inspeção privada em indústrias ainda não decola no RS [Até agora, apenas sete empresas aderiram ao novo modelo de fiscalização]

 

 

30-9-2018 - Associação dos Fiscais da Defesa Agropecuária do Estado do Paraná (Afisa-PR) & Fiscalização de produtos de origem animal do Paraná: MAPA presta esclarecimentos à Afisa-PR [As opções de "gestão pública" em detrimento de parte da fiscalização de produtos de origem animal do governo do Paraná são equivocadas e possuem potencial para colocar em risco a segurança alimentar da população paranaense: o governo Richa nomeou o staff comissionado em turno para o órgão de fiscalização agropecuária do estado; o governo Borghetti o manteve & Inspection of products of animal origin of Paraná: map provides clarifications to AFIs-PR & The "public management" options to the detriment of part of the inspection of animal products of the Government of Paraná are misguided and have the potential to put in risk the food security of the Paraná population: the government of the Richa appointed the staff Commissioned in turn for the inspection of the State; The Borghetti government kept him]

15-8-2018 - Associação dos Fiscais da Defesa Agropecuária do Estado do Paraná (Afisa-PR) & Opinião da DIREX: Arruda, Cida e Ratinho Jr. e a fiscalização agropecuária do Paraná [Para que os produtos da agropecuária tenham confiabilidade é estratégico e de fundamental importância poder contar com uma adequada fiscalização agropecuária pública. E para manter a confiabilidade, a fiscalização agropecuária deve manter pública e não ser prejudicada pela inconstitucional e ilegal privatização ou terceirização]

21-6-2017 - Ministério da Agricultura, Pecuáira e Abastecimento (MAPA) & Estados defendem modernizar legislação de inspeção [Assunto foi discutido durante reunião do Conselho Nacional dos Secretários de Agricultura. Os secretários estaduais de Agricultura defenderam, nesta quarta-feira (21), mudanças para modernizar a inspeção de produtos de origem animal. Eles querem autorização, por lei federal, para inspeção privada, com a permissão para que estados que adotam esses serviços possam comercializar os produtos dentro do país. O pedido foi apresentado durante reunião do Conselho Nacional dos Secretários de Estado de Agricultura (Conseagri), em Brasília. (...) Diretor do Departamento de Saúde Animal do Mapa e presidente da Comissão Sul-Americana para a Luta contra a Febre Aftosa (Cosalfa), Guilherme Marques ressaltou que trata-se de uma experiência já adotada no mundo inteiro e reconhecida pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Um dos principais defensores da mudança é o Rio Grande do Sul. Seguindo modelos já adotados em Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, o estado elaborou proposta de lei estadual para contratar inspeção privada para esses produtos]

 

 

9-6-2017 - Associação dos Fiscais da Defesa Agropecuária do Estado do Paraná (Afisa-PR) & Produtos de origem animal: auditoria do Ministério da Agricultura aponta ilegalidade na inspeção do PR ["O modelo de inspeção do Paraná, com médico veterinário vinculado à empresa privada realizando inspeção, infringe os artos. 9º, § 6º, incisos II, III e VI, e 133, incisos II, III e VI do Decreto nº 5.741/2006. Além disso, infringe as Leis nº 1283/50, nº 7889/89, nº 8171/91 e a Constituição Federal, Art. 37, inciso II" — Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)]

18-3-2017 - BBC News Brasil & Carne vencida e mascarada com 'produtos cancerígenos': o escândalo que atinge as maiores empresas do Brasil [Mudar a data de vencimento de carnes estragadas, maquiar seu aspecto ou usar químicos para mascarar seu mau cheiro - até mesmo em produtos usados na merenda escolar]

16-12-2016 - Associação dos Fiscais da Defesa Agropecuária do Estado do Paraná (Afisa-PR) & Paraná: MPPR investiga privatização de parte da inspeção de produtos de origem animal [MAPA/DIPOA considera inconstitucional e ilegal os termos da Portaria 158 de 2014 da Adapar]

16-6-2016 - Associação dos Fiscais da Defesa Agropecuária do Estado do Paraná (Afisa-PR) & Produtos de origem animal: inspeção e fiscalização são indissociáveis [A Afisa-PR alerta para a improcedente narrativa da "diferenciação conceitual" que tem o propósito de desinformar o Congresso Nacional  produzida pelo lobby que pretende, através do PL 334/2015, privatizar a fiscalização pública de produtos de origem animal]

1-6-2016 - Associação dos Fiscais da Defesa Agropecuária do Estado do Paraná (Afisa-PR) & Especialistas alertam sobre as consequências da "autofiscalização" privada de produtos de origem animal [Além da insegurança alimentar e flagrante a inconstitucionalidade da privatização em prejuízo da Inspeção oficial de produtos de origem animal]

8-4-2016 – Associação dos Fiscais da Defesa Agropecuária do Estado do Paraná (Afisa-PR) & Paraná: insegurança alimentar em prejuízo da população  [Parte da fiscalização agropecuária pública de produtos de origem animal do Paraná, segundo o Ministério da Agricultura, opera privatizada em desrespeito às normas constitucionais e legais]

4-6-2016 - Folha de S. Paulo & Superbactérias

19-5-2016 - BBC Brasil & 'Superbactérias matarão uma pessoa a cada 3 segundos em 2050'

27-1-2016 – Associação dos Fiscais da Defesa Agropecuária do Estado do Paraná (Afisa-PR) & Segurança alimentar: MAPA/DIPOA afirma que parte do sistema de fiscalização de produtos de origem animal do Paraná é ilegal [O MAPA/DIPOA concluiu que a Portaria 158 de 2014 é inconstitucional e ilegal, portanto, com potencial para colocar em risco a segurança alimentar da população]

28-3-2014 - Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar) & Paraná e cinco estados defendem a padronização da inspeção sanitária estadual [“Esta é uma oportunidade para gastar energia e unir conhecimento, com o objetivo de encontrar meios para que a nossa produção mantenha a chancela da qualidade e chegue aos mercados do mundo sem restrições”, afirmou Ortigara]