Afisa-PR

O endêmico uso de agrotóxicos como ameaça à água potável

“O Brasil precisa adotar um sistema de monitoramento eficaz de água potável para garantir que seu abastecimento seja devidamente testado contra agrotóxicos e que os resultados sejam disponibilizados ao público”

 

O artigo “Brasileiros não sabem se tem agrotóxicos na água que bebem” (por Richard Pearshouse e João Guilherme Bieber) publicado em 23-3-2018 pelo El País, denuncia que “o sistema nacional de monitoramento de água potável é vergonhosamente inadequado para detectar a ameaça de substâncias nocivas”, ou seja, de agrotóxicos e seus metabólitos

O artigo alerta que o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo: “Culturas como a de soja, de milho, de algodão e de cana-de-açúcar são cultivadas com enormes quantidades de agrotóxicos: cerca de 400 mil toneladas por ano. Dos 10 agrotóxicos mais utilizados no Brasil, 4 são proibidos na Europa, indicando quão prejudiciais são considerados para alguns padrões”.

 

  

O artigo alerta que “alguns países testam regularmente o abastecimento de água potável para verificar a presença de agrotóxicos e disponibilizam os resultados para a população. No Brasil, na prática, isso não ocorre. Fizemos um pedido com base na lei de acesso à informação para obter os resultados dos testes nacionais de resíduos de agrotóxicos na água potável realizados entre 2014 a 2017. Descobrimos que, apesar das obrigações legais, sistemas de abastecimento de água raramente são testados”.

Em decorrência, os autores do artigo em questão chegaram concluem que o “sistema brasileiro de monitoramento de água potável é vergonhosamente inadequado para detectar a ameaça de perigosos agrotóxicos”.

Segundo a artigo, os agrotóxicos organoclorados (aldrin, dieldrina, clordano e endrina), que tiveram sua comercialização, uso e  distribuição proibidos1 em meados da década de 80, são comumente detectados na água que se bebe, pois “são tão persistentes que aparecem na água potável mesmo depois de décadas” de banimento. Os agrotóxicos organoclorados até hoje é caso de saúde pública.

A reportagem informa que “em 2016, pesquisadores publicaram o primeiro levantamento nacional brasileiro de contaminantes emergentes na água potável. Depois de cafeína – substância que indica a existência de esgoto não tratado –, o segundo contaminante mais comumente encontrado na água foi o herbicida atrazina, presente em 75% das amostras de todo o país.”

O agrotóxico à base do ingrediente ativo atrazina tem sua monografia, registro, cadastro, comércio e uso legalizado no Brasil. Porém, a reportagem do El País alerta que “seus níveis residuais na água estavam bem abaixo do limite legal, mas estudos recentes em animais mostram que, mesmo em baixas doses durante longos períodos, a atrazina pode ser um disruptor endócrino, interferindo nas funções reprodutiva, neural e de imunidade”.

Os autores da reportagem, Richard Pearshouse, diretor-adjunto para a divisão de meio ambiente e direitos humanos da Human Rights Watch, e João Guilherme Bieber, consultor da Human Rights Watch, chegaram à conclusão “o Brasil usa grandes quantidades de agrotóxicos que comprometem o meio ambiente de seus cidadãos, e as autoridades têm fracassado em garantir que o abastecimento de água potável não esteja contaminado com níveis prejudiciais desses agrotóxicos. E isso é perigoso. O Brasil precisa adotar um sistema de monitoramento eficaz de água potável para garantir que seu abastecimento seja devidamente testado contra agrotóxicos e que os resultados sejam disponibilizados ao público”.

 

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1 A Portaria 329 de 1985, em seu art. 2º, além de banir os agrotóxicos organoclorados, admite “a comercialização, o uso e a distribuição de produtos do princípio ativo paraquat somente sob a forma de venda aplicada”. Obviamente, essa restrição ao agrotóxico Paraquat no Brasil, lamentavelmente, é para inglês ver.

 

Matérias vinculadas:

9-11-2018 - Associação dos Fiscais da Defesa Agropecuária do Estado do Paraná (Afisa-PR) & O relatório da ONU contra os agrotóxicos não pode ser esquecido ["Usar mais agrotóxicos não tem nada a ver com a eliminação da fome. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), somos capazes de alimentar 9 bilhões de pessoas hoje. A produção está definitivamente aumentando, mas o problema é a pobreza, a desigualdade e a distribuição [de alimentos]". — Hilal Elver, relatora especial da ONU sobre o direito à alimentação & The UN report against pesticides can't be forgotten & "Using more pesticides has nothing to do with the elimination of hunger. According to the United Nations Food and Agriculture Organization (FAO), we're able to feed 9 billion people today. The production is definitely increasing, but the problem is poverty, inequality and distribution [of food]". — Hilal Elver, UN Special rapporteur on the right to food]

9-5-2018 - R7 & Menor controle de agrotóxicos põe pessoas em risco, dizem órgãos [Anvisa, Fiocruz e Greenpeace se manifestam contra projeto de lei que inclui substâncias já proibidas e exclui órgãos de saúde do controle de agrotóxicos]

6-5-2018 - Rede Brasil Atual & MPF aponta série de inconstitucionalidades no 'Pacote do Veneno' [Relatório do ruralista Luiz Nishimori, que deve ser votado nesta terça (8), ignora os efeitos à saúde e ao meio ambiente e permite o registro de produtos que causam câncer e malformações]

4-5-2018 - Rede Brasil Atual & Conselho Nacional de Saúde recomenda veto ao ‘Pacote do Veneno’ [Para o órgão do Ministério da Saúde, projeto aumenta a permissividade e flexibilização do uso de agrotóxicos ao reduzir a atuação dos órgãos de saúde e meio ambiente, ampliando a competência do setor agrícola]

29-3-2018 - Sputnik & Agrotóxicos não são regulados de maneira satisfatória no Brasil, diz ex-gerente da Anvisa [Os alimentos que os brasileiros comem e o meio ambiente estão expostos a possíveis contaminações por agrotóxicos porque o Brasil não faz uma regulação eficiente do setor, afirma Luiz Cláudio Meirelles - pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ex-gerente Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)]

27-3-2018 - Presidência da República/Segurança Alimentar e Nutricional & Sociedade civil quer reverter leis que isentam agrotóxicos e tributam comida de verdade

23-3-2018 - IHUBrasileiros não sabem se tem agrotóxicos na água que bebem

22-3-2018 - El País & Brasileiros não sabem se tem agrotóxicos na água que bebem [O sistema nacional de monitoramento de água potável é vergonhosamente inadequado para detectar a ameaça de substâncias nocivas]

22-3-2018 - Rede Brasil Atual & Água livre de agrotóxicos é meta de projeto do Ministério Público do Trabalho [A maioria das amostras de água coletadas contém agrotóxicos em níveis muito acima do permitido pela legislação nacional, defasada em relação a parâmetros de países europeus]

30-1-2018 - R7 & Agrotóxico, o perigo invisível: Brasil, o campeão no uso de agrotóxicos [Pesquisadora indica que a cada 2 dias e meio, uma pessoa morre no Brasil intoxicada por alguma substância da fórmula desses produtos]

28-8-2017 - DW & FAO denuncia contaminação da água pela agricultura [Relatório afirma que uso inadequado de pesticidas e produção de alimentos com grande impacto ambiental contribuem para a degradação da qualidade da água em todo o mundo]