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União Europeia (UE) rejeita "fiscalização" privada da carne da Austrália

A Comissão Europeia divulgou o relatório final da auditoria feita no sistema da Austrália de "fiscalização" privada da carne e o rejeitou, pois não estava em conformidade com os regulamentos de saúde pública e segurança alimentar da União Europeia (UE)

  

Com base na notícia News Report Points to Chaos in Australian Meat Inspections do Food & Water Watch de 23 de março de 2015, a Comissão Europeia publicou o relatório Australia's Response to DG(SANTE)/2012-6361-MR/PREFINAL e seu anexo CA response received 26 August 2013 da auditoria que realizou na fiscalização da carne na Austrália. Essa auditoria rejeitou o sistema de "fiscalização" privado adotado na Austrália que foi implementado em setembro de 2011 e que se chama Export Meat Inspection System (AEMIS). A Comissão Europeia concluiu que o AEMIS não se encontrava em conformidade com os regulamentos da União Europeia (UE) de saúde pública e segurança alimentar. 

Os auditores da Comissão Europeia concluíram que a existência de empregados integralizados aos frigoríficos que realizavam a "fiscalização" post-mortem nos animais abatidos, implicava em potencial conflitos de interesse.

A auditoria da Comissão Europeia que rejeitou o privaticionista AEMIS australiano afirmou que a privatização da fiscalização pública de produtos de origem animal "não é alinhada" com os regulamentos da UE, porque ela não é capaz de assegurar que os empregados vinculados aos frigoríficos que realizaram a "fiscalização" post-mortem não tenham interesses comerciais diretos sobre os animais abatidos e nem sobre a carne certificada.

 

 

Críticas do Food & Water Watch contra o AEMIS australiano

Em alusão à notícia Export Quality Fears Over Meat Inspection Privatisation do The Australian de 22 de março de 2015, Wenonah Hauter, diretora executiva do Food & Water Watch, afirma que o The Australian apontou para o caótico estado do "sistema" de "fiscalização" privado da carne na Austrália depois que seu governo privatizou a fiscalização pública de produtos de origem animal.

A notícia do The Australian discorre sobre a crescente confusão sobre como a carne é fiscalizada na Austrália. Essa notícia, para Hauter, comprova mais uma vez a necessidade de os EUA revogarem seu estatuto de equivalência à carne australiana e manter pública sua fiscalização pública da carne.

Segundo a notícia do Food & Water Watch, em 1999 a Austrália recebeu a bênção do U. S. Department of Agriculture (USDA) para adotar um sistema equivalente de fiscalização para as exportações de carne, copiado dos EUA e baseado no sistema de redução de patógenos Hazard Analysis and Critical Control Point Systems (HACCP)1 e Inspection Models Project (HIMP), que o USDA/FSIS preparava como "projeto piloto" aplicado em um restrito número de frigoríficos de frangos e suínos. Em decorrência, a Austrália adotou o programa similar privaticionista Australian Meat Safety Enhancement Program (MSEP). Tanto o HIMP como o MSEP retiraram os fiscais agropecuários públicos das linhas de abate dos frigoríficos e transferiram suas responsabilidades para os empregados desses frigoríficos.

Há vários anos, os EUA não recebiam quaisquer exportações de carne bovina ou de carneiro da Austrália devido à controvérsia em ambos os países sobre o "modelo" de "fiscalização" privada da carne.

Em 2006, segundo Hauter, a Austrália decidiu pela adoção do projeto piloto do sistema MSEP em um frigorífico de bovinos, que foi autorizado a exportar sua produção aos EUA. A Austrália renomeou o seu "modelo" de "fiscalização" privada da carne para Australian Export Meat Inspection System (AEMIS). Com base nos "resultados da fiscalização" privada em um frigorífico piloto australiano, em 2011 o USDA/FSIS reafirmou sua decisão 1999 de reconhecer o modelo privatizado de "fiscalização" da carne da Austrália.

Em 2012, a maioria dos frigoríficos de carne vermelha australianos tinham manifestado interesse na mudança para o novo sistema privatizado de "fiscalização". A União Europeia (UE), portanto, realizou uma auditoria do novo sistema "privado" de "fiscalização" da carne adotado pela Austrália. Em 2014, no entanto, a UE concluiu que a segurança alimentar e a qualidade da  carne australiana eram comprometidas pelo modelo de "fiscalização" privatizado, pois havia inerente conflito de interesses que envolvia os empregados encarregados da "inspeção" que eram remunerados pelos próprios frigoríficos para que "garantissem" a segurança alimentar, a qualidade da carne e a salubridade dos frigoríficos.

Conforme Hauter, em vez da eliminação do privaticionista AEMIS e retornar todos os frigoríficos para à fiscalização governamental, o então Department of Agriculture, Fisheries, and Forestry da Austrália inventou um novo esquema. Esse departamento decidiu reconhecer  entidades privadas como fornecedoras de empregados para a "fiscalização" dos frigoríficos e essencialmente para os serviços temporários (terceirizados) utilizados pelos frigoríficos. Essa opção trouxe novas controvérsias de como os principais frigoríficos da Austrália "fiscalizavam" seus produtos. As associações de agricultores australianos, inclusive, questionam a eficácia do sistema de "fiscalização" privado e terceirizado.

O Food & Water Watch tem sido um grande crítico dos privaticionistas sistemas HIMP (EUA) e AEMIS (Austrália). À época da notícia divulgada pelo The Australian, o Food & Water Watch encontrava-se em meio a uma demanda legal contra o privaticionista "modelo" National Poultry Inspection System (NPIS) que o  USDA/FSIS pretende implementar e expandir com base no binômio HACCP e HIMP para todos os frigoríficos de frango dos EUA.

Em 2014, o Food & Water Watch  apresentou uma petição no USDA & Food Safety and Inspection Service (FSIS) pela revogação da determinação de equivalência de fiscalização contra o sistema AEMIS da Austrália. O Food & Water Watch descobriu que não havia nenhuma justificativa científica para a manutenção dessa equivalência devido a um crescente número de rejeições de importação de carne dos frigoríficos australianos que operavam com a "fiscalização" privada da carne. "Mais uma vez, chamamos o USDA para revogar esse grau de equivalência norte-americano para o sistema de  fiscalização privatizado da Austrália; interromper a implementação do "modelo" privaticionista New Poultry Inspection System (NPIS) para os frigoríficos de frangos nos EUA o final o projeto piloto HIMP em frigoríficos de suínos dos EUA. Também pedimos ao governo australiano para que interrompa seus esforços para privatizar um viral serviço. Muito tempo e esforço é desperdiçado tentando encontrar uma solução para uma situação, quando a resposta está bem debaixo do nariz – um retorno à completa fiscalização governamental", alertou Hauter.  

 

Em março de 2011 o USDA/FSIS concedeu status de equivalência ao AEMIS australiano

Em março de 2011, o USDA & Food Safety and Inspection Service (FSIS) concedeu status de equivalência ao AEMIS, com base apenas nas condições de um frigorífico de carne bovina australiano que testava a "fiscalização" privada da carne sob o "modelo" AEMIS. O USDA/FSIS alegou "que tinha autoridade para conceder status de equivalência" ao AEMIS "com base em um projeto-piloto que adotada o "modelo" de "fiscalização" privada da carne testado nos EUA em cinco frigoríficos de abate de suínos, chamado HACCP-Based-Inspection Models Project (HIMP).

Nos EUA, o HIMP é elaborado mediante a avaliação da "fiscalização" privada da carne em cinco frigoríficos-piloto de abate de suínos. Em maio e agosto de 2013, o escritório do inspetor geral do USDA e o U. S. Government Accountability Office (GAO) emitiram relatórios altamente críticos contra o "modelo" HIMP e questionaram os objetivos de segurança alimentar.

Em janeiro, julho e outubro deste ano, Food & Water Watch enviou cartas ao secretário do USDA, Tom Vilsack, informando-o de que os embarques de carne exportados para os EUA, a partir de frigoríficos australianos sob o "modelo" AEMIS, eram repetidamente rejeitadas pelos fiscais de importação do USDA & Food Safety and Inspection Service (FSIS), devido às visíveis violações da segurança alimentar nos portos de entrada (port of entry - POA) norte-americanos. Além disso, Food & Water Watch advertiu o secretário do USDA de que recebeu informações de que a Comissão Europeia estava a ponto de rejeitar o AEMIS como "sistema de fiscalização  privado" da carne que era exportada à União Europeia (UE), devido ao problema de conflitos de interesse. A mesma preocupação foi manifestada por um fiscal agropecuário do USDA/FSIS que em 2011 vistoriou um frigorífico australiano sob AEMIS, porém, seus superiores em Washington ignoraram suas preocupações.

O Food & Water Watch também alertou o secretário Vilsack que a partir da integral implantação do programa australiano de "fiscalização", o número de rechaços no POA de carnes bovina importada desse país aumentou dramaticamente. O Food & Water Watch também expressou junto a Vilsack sua preocupação sobre o sistema de "fiscalização" privada da carne do Canadá.

A diretoria do Food & Water Watch exortou o USDA/FSIS para que seja revisto sua equivalência com o AEMIS australiano. Segundo ela, essa equivalência é falha, pois foi baseada em apenas um frigorífico-piloto de bovino, e não em todo o sistema de fiscalização da carne da Austrália. Além disso, segundo Hauter, os frigoríficos-piloto australianos que servem de teste para a "fiscalização" privada da carne suína sob o "modelo" AEMIS, nos quais "se baseou a equivalência", nunca foram totalmente avaliados pelo USDA/FSIS.

 

EUA: frigoríficos privatizados revelaram mais falhas na detecção de Salmonella na carne de frango

A notícia Privatized Inspection Plants Still Turning Out More Contaminated Chicken do Food & Water Watch de 18 de setembro de 2018 informa que os dados divulgados recentemente pelo Food Safety and Inspection Service (FSIS), vinculado ao USDA, bem como,  informações asseguradas pela Lei de Liberdade de Informação (FOIA)1, possibilitou ao grupo de defesa do consumidor Food & Water Watch revelar que os frigoríficos de abate de frango que se converteram em "modelo de inspeção privatizado", chamado nos EUA de  New Poultry Inspection System (NPIS), continuam a mostrar uma maior probabilidade de falhar no padrão de desempenho do governo para Salmonella do que as plantas que ainda usam o modelo público de inspeção agropecuária.

"Na época em que o NPIS foi proposto em 2012, as autoridades do USDA alegaram que o esquema de inspeção privatizado reduziria os níveis de patógenos em aves de criação. Parece que o oposto está acontecendo", disse Wenonah Hauter, diretora executiva da Food & Water Watch. "Alguns dos grandes participantes do processamento de [carne de] aves optaram por seguir a rota de ["inspeção" privada] desregulamentação, e parece que eles não são confiáveis para se [auto]policiarem. É hora de o FSIS parar a conversão [da privatização] de qualquer outro frigorífico, porque os próprios dados deste Serviço mostram que o NPIS não entrega alimentos mais seguros".

"Na época em que o NPIS foi proposto em 2012, as autoridades do USDA alegaram que o esquema de inspeção privatizado reduziria os níveis de patógenos em aves de criação. Parece que o oposto está acontecendo", disse Wenonah Hauter, diretora executiva da Food & Water Watch. "Alguns dos grandes participantes do processamento de [carne de] aves optaram por seguir a rota de ["inspeção" privada] desregulamentação, e parece que eles não são confiáveis para se [auto]policiarem. É hora de o FSIS parar a conversão [da privatização] de qualquer outro frigorífico, porque os próprios dados deste Serviço mostram que o NPIS não entrega alimentos mais seguros".

Os frigoríficos que adotaram o NPIS possuem menos inspetores públicos do FSIS & USDA na linha de abate, e a maioria das tarefas de inspeção é transferida para os funcionários dos próprios frigoríficos. Sob inspeção pública, pode haver até quatro inspetores do governo designados para uma linha de abate com cada um deles responsável por avaliar até 35 carcaças de aves por minuto. Sob o NPIS, há apenas um inspetor do governo designado para a linha de abate e ele é responsável por inspecionar até três aves por segundo.

Em 14 de setembro, o FSIS publicou seus mais recentes dados regulamentares de testes de Salmonella para carcaças de aves por frigorífico.  De um total de 205 plantas de frango listadas, 189 plantas tinham dados suficientes para avaliar se elas atendiam ao padrão de desempenho de Salmonella. De acordo com os dados do USDA:

 

1 Trinta e quatro frigoríficos falharam no padrão de desempenho de detecção de Salmonella.

1.1 Dezesseis desses frigoríficos já haviam se convertido no sistema privatizado NPIS; mais dois estavam listados para futura conversão.

1.2 Dezoito das frigoríficos que falharam no padrão de desempenho de detecção de Salmonella estavam usando o modelo tradicional de inspeção.

2. Cinquenta e cinco frigoríficos de frango haviam se convertido no sistema privatizado NPIS a partir de maio de 2018.

2.1 Quase um terço das plantas privatizadas sob NPIS (29%) falhou no padrão de desempenho de detecção de Salmonella, em oposição a 13% das 134 plantas sob inspeção pública (sem o NPIS) que falharam neste padrão.

 

 

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1 Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC)

 

Modificado em 18-11-2018 em 15:38

 

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8-11-2013 - Food Poisoning Bulletin & EU Rejects Australian Privatized Meat Inspection System [The European Union has officially rejected Australia’s privatized meat inspection system, according to a report released of the May 2012 audit. Australia’s system, called the Australian Export Meat Inspection System (AEMIS) was implemented in September 2011. It was judged to be not in compliance with EU food safety regulations]

11-8-2013 - Food & Walter Watch & European Union Officially Rejects Australian Privatized Meat Inspection System [As the Europeans have pointed out convincingly, there is an inherent conflict of interest having company-paid inspectors perform food safety functions]