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Encontrada superbactéria variante MRSA na carne suína consumida pelos britânicos

Amostras de carne de suína consumida no Reino Unido estavam contaminadas com a estirpe da superbactéria MRSA (methicillin-resistant Staphylococcus aureus)

   

Amostras de carne de suína consumida no Reino Unido estavam contaminadas com a estirpe1 da superbactéria MRSA (methicillin-resistant Staphylococcus aureus).A fonte original da MRSA era o rebanho bovino.É o que revela a notícia  Revealed: MRSA variant found in British pork at Asda and Sainsbury’s (por Andrew Wasley, Kjeld Hansen e Fiona Harvey) do The Guardian de 3 de outubro de 2016.

A notícia do The Guardian levantou sérias preocupações de que o Reino Unido está à beira de mais um escândalo de alimentos. 

 

 

Testes na carne suína comercializada em supermercados do Reino Unido mostraram que três marcas comerciais estavam contaminadas com a cepa da superbactéria MRSA, cujas estirpes que afetam o rebanho bovino têm potencial para se espalhar entre as pessoas, com sérias consequências à saúde. 

O The Guardian, em trabalho conjunto com o The Bureau of Investigative Journalism, conseguiu estabelecer que uma brecha nos regulamentos de importação no Reino Unida deixa uma porta aberta para que suínos vivos, infectados com a bactéria MRSA CC398 — as pessoas podem transportar um tipo de bactéria MRSA CC398, mas ela é diferente da superbactéria MRSA que ataca o rebanho bovino —, sejam importados de países como a Dinamarca, onde essa doença é predominante.

Os resultados têm implicações graves para a saúde humana. A bactéria MRSA CC398 é potencialmente mortal, e mostra séria resistência a antibióticos, mesmo os mais fortes. A MRSA CC398 causa infecções persistentes e desagradáveis e prejudica seriamente as pessoas com sistemas imunológicos comprometidos, tais como as que já sofrem outras doençsa. A MRSA CC398, no entanto, é menos prejudicial às pessoas do que a superbactéria MRSA que mata cerca de 300 pessoas a cada ano em hospitais na Inglaterra e no País de Gales. Essa superbactéria é conhecida por ter sido responsável por, pelo menos, seis mortes na Dinamarca. Desconfia-se que essas mortes podem ser apenas a ponta do iceberg.

As pessoas podem contrair essa doença da carne contaminada ou de animais infectados. A superbactéria, como outros germes transmitidas pelos alimentos, é morta por completo cozimento dos alimentos, porém, pode ser transmitida através de falhas de higiene. Trabalhadores que trabalham em criações de suínos também podem pegar essa doença dos animais infectados e passá-la adiante para outras pessoas.

Sem uma ação para detê-la, sua propagação poderá seguir o padrão de disseminação que ocorreu na Dinamarca, onde a bactéria MRSA CC398 se estabeleceu há mais de uma década e atualmente aflige cerca de dois terços das criações de suínos. Na Dinamarca, o problema é visto como uma grande crise de saúde pública, visto que 12.000 pessoas acreditaram ter contraído essa doença. Atualmente, as fazendas britânicas que criam animais não contam com um programa de rastreio para a bactéria MRSA CC398.

O professor Tim Lang, do Centre for Food Policy da City University of London, disse "Se não temos controle rigoroso de infecção e não tentamos controlar a circulação de animais vivos, a infecção pode se espalhar. [...] a União Europeia também tem uma grande circulação de animais. Precisamos de biossegurança, precisamos controlar o movimento do rebanho. Você pode obter carne barata, mas a longo prazo isso vai adicionar problemas de saúde pública".

O professor Erik Millstone, da Sussex University acrescentou que o surgimento de superbactérias resistentes a antibióticos provenientes da exploração industrial de animais é "uma grande ameaça para a saúde humana" e que há um risco claro de que a bactéria MRSA CC398 pode se espalhar entre os rebanhos britânicos e para as pessoas. Ele antecipou que o governo iria minimizar este risco, e alertou: "Enquanto o governo tenta suas táticas habituais de culpar a vítima, ele deixa de funcionar".

Os testes foram realizados pelo Dr. Mark Holmes, diretor de estudos em medicina veterinária clínica no Churchill College da Cambridge University, e encomendado pela Alliance to Save Our Antibiotics, fundada pela Soil Association, Compassion in World Farming and Sustain. Duas amostras de carne suína picada (ASDA e Sainsbury) mostraram-se positivas para a doença.

No ano passado, testes do The Guardian revelaram que de 100 amostras de carne suína comercializadas em supermercados do Reino Unido, incluindo uma mistura de carne importada, 9 estavam infectados com a superbactéria; 8 dessas amostras eram de carne suína de origem dinamarquesa e uma de origem irlandesa. Essa investigação constatou que pela primeira vez a superbactéria MRSA CC398 tinha sido encontrada na carne suína comercializada em supermercados do Reino Unido.

Hoje, no Reino Unido, exames de acompanhamento são os primeiros a identificarem os supermercados, cuja carne suína genuinamente britânica, comercializam carne contaminada com a superbactéria. Não é possível afirmar se a carne suína contaminada se originou de suínos importados, ou se rebanhos suínos britânicos foram infectadas através de animais importados. O The Guardian sustenta que as importações de animais podem ser o principal veículo de propagação da superbactéria. Como a produção de carne suína no Reino Unido manteve-se relativamente livre até agora da MRSA CC398, o principal método de propagação da doença é pelo contato entre os animais criados em fazendas.

Em 2014 o The Bureau of Investigative Journalism estabeleceu que pelo menos um fornecedor regular de suínos da Dinamarca para o Reino Unido pode ter sido o responsável pela disseminação da superbactéria. No entanto, a empresa dinamarquesa recusou-se a dizer quantos suínos tinha exportado para o Reino Unido e se eles poderiam estar contaminados com a superbactéria. Mas os números oficiais de exportação mostram que a empresa dinamarquesa forneceu 41 suínos para o Reino Unido em julho deste ano, 65 em 2013 e 16 em 2012.

Não obstante o perigo, segundo a notícia do The Guardian, o governo do Reino Unido não rastreia a contaminação nos animais que são importados, e a desculpa para isso é o "baixo risco" de disseminação da doença e que o "efeito inicial principal" nas pessoas seria uma "infecção desagradável da pele que é desfigurante, desagradável e altamente infecciosa, mas não fatal".

Emma Rose, da Alliance to Save Our Antibiotics, disse: "É extremamente preocupante para encontrar LA [livestock-associated (associada ao gado)]-MRSA na carne suína britânica".

"Os cientistas agora advertem de que o extenso reservatório de MRSA em animais poderia levar a uma pandemia entre a população humana. LA-MRSA é capaz de causar infecções graves e potencialmente fatais em humanos, e como a bactéria é resistente aos antibióticos, é extremamente difícil de ser tratada. Além do mais, as variações ainda mais perigosas estão a emergir com a evolução da superbactéria".

O Department for Environment, Food & Rural Affairs (Defra) alegou: "A MRSA associada à pecuária não é o mesma que as cepas de MRSA que podem causar infecções associadas aos cuidados de saúde, e se a carne é manuseada e preparada adequadamente, é baixo o risco para as pessoas". O Defra e a National Pig Association (NPA) indicaram que os suínos importados para o Reino Unido são rastreados para a bactéria LA-MRSA: "O governo analisa opções para a vigilância, que será proporcional ao risco muito baixo para a saúde representa a MRSA associada à pecuária".

A ASDA alegou ao The Guardian: "Os nossos clientes podem ter a certeza que trabalhamos em estreita colaboração com a indústria e os agricultores para se certificar de que os antibióticos são usados de forma responsável nos animais criados nas fazendas". A Sainsbury alegou ao The Guardian que a MRSA CC398 é "muito incomum" na carne suína britânica e que trabalha "para garantir que os antibióticos sejam usados de forma responsável e que os produtores são atendidos pelos principais especialistas da indústria".

O aumento da variante CC398 tem sido associado ao uso excessivo de antibióticos na criação de animais em escala industrial, onde as condições de frequente superlotação e de sujidade, permitem o aparecimento de doenças, desta forma, os produtores tornam-se dependentes de frequentes tratamentos com antibióticos.

Segundo os especialistas, a ameaça da importação de animais vivos tem sido negligenciada. Quando os animais são importados, eles têm que passar por uma triagem para uma variedade de outras doenças, mas é puramente voluntário o rastreio da bactéria MRSA CC398. Como resultado, não há nenhuma maneira de saber quantos animais infectados podem ter sido introduzidos na Grã-Bretanha.

Houve pelo menos dois casos confirmados da doença encontrada em explorações de suínos no Reino Unido, um deles na Irlanda do Norte e outro no leste da Inglaterra. No entanto, como não são realizados testes sistemáticos em fazendas do Reino Unido, é impossível saber quantas podem abrigar a superbactéria.

O Department for Environment, Food & Rural Affairs (Defra) não reúne estatísticas sobre o número de animais importados, mas os números do governo dinamarquês mostram que o Reino Unido importou mais de 3.000 suínos reprodutores nos últimos seis anos, incluindo 916 em 2013, 598 no ano seguinte e 283 no ano passado.

Nos últimos três anos, a indústria de alimentos do Reino Unido tem sido abalada com as revelações do The Guardian, tais como a ocorrência de Campylobacter na carne de frango, que causa doenças graves nas pessoas nas versões mais fortes de salmonelas com maior resistência, e de formas resistentes de Escherichia coli que não são suscetíveis ao tratamento mesmo com os mais fortes antibióticos. Segundo o The Guardian uma em cada quatro embalagens de carne de frango comercializada nos supermercados britânicos está contaminada com a bactéria E. coli.

O The Guardian sugere que a maioria dos problemas de segurança alimentar ocorrem devido ao  pensamento corrente de que é preciso "impor uma baixa pressão" sobre as fazendas criadoras de animais, para que eles "sejam criados com o menor custo possível de produção".

 

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1 A estirpe de bactérias, Staphylococcus aureus (MRSA) resistente ao antibiótico meticilina CC398, geralmente não aparece em humanos. As pessoas fazem transportar um tipo de MRSA CC398, mas é diferente do que o realizado pelo rebanho bovino. Estudos indicam que o problema é que a estirpe da bactéria em animais de criação tem o potencial de se espalhar para os seres humanos. As estirpes de MRSA que infectam o rebanho bovino foram encontradas em pacientes hospitalizados. Um estudo de 2011 na Holanda descobriu que em 62 hospitais, dos 141 casos de MRSA, 40, ou 28 por cento, foram associados ao rebanho bovino.

 

Opinião da Direx

O PLS 326 de 2016 que almeja privatizar a fiscalização agropecuária pública

Congresso quer privatizar a fiscalização agropecuária pública pelo perigoso binômio "credenciamento privado" e auditoria pública

 

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Em tempos difíceis de disseminação das Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA's) e de emergências epidemiológicas causadas pelos patógenos E. coli e o gene mcr-1, tramita no Senado Federal o projeto de lei do Senado 326/2016 que intenciona privatizar  — através do "credenciamento" de empresas privadas para "efetuarem" sua própria "fiscalização" e auditoria sanitária pública — a fiscalização agropecuária pública.

Para a Associação dos Fiscais da Defesa Agropecuária do Estado do Paraná (Afisa-PR), é inadmissível que problemas específicos e localizados de inspeção pública de produtos de origem animal — cuja solução deveria passar pela intervenção da Instância Central sobre as Instâncias Intermediárias para que seus sistemas de inspeção estadual (SIEs) possam operar adequaamente — impliquem no do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA) pela revogação do Decreto 5.741 de 2016, como prevê o PLS  326/2016.

Diante dos termos dos privatizantes do  projeto de lei 334/2015 que tramita na Câmara dos Deputados e do PLS 326/2016, é lícito supor que está em curso uma parceria entre certos comissionados instalados no serviço público com parlamentares e empresários para privatizar a fiscalização agropecuária pública sem a adequada discussão constitucional, legal e técnica e, principalmente, sem nenhuma avaliação prévia de como "funciona" a "fiscalização" privada, a exemplo do que ocorre nos EUA com o experimental Inspection Models Project (HIMP) utilizado para investigar a "eficiência" do "modelo" privado de "fiscalização".

Alimentos não seguros não impactam apenas a saúde pública e a segurança alimentar, mas também, a economia de um país, especialmente os que são dependentes de exportações de commodities agrícolas.  Em 2011, um surto de Escherichia coli na Alemanha causou aproximadamente US$ 1,3 bi em perdas para a agropecuária e indústrias e US$ 236 mi em pagamentos de ajuda de emergência a 22 países da União Europeia (UE).

As DTA’s  causadas por E. coli são mais comuns do que se possa imaginar. Ocorrem frequentemente em países desenvolvidos, como comprova-se pelas seguintes reportagens: do Food Safety News & Ground beef recalled for possible E. coli O157:H7 contamination, CDC closes flour/E. coli investigation; expects more illnesses e Kansas researchers develop nanosensor for faster E. coli detection; Centers for Disease Control and Prevention (CDC) & Outbreak of Escherichia coli O104:H4 Infections Associated with Sprout Consumption (Europe and North America, May–July 2011) e The Guadian & E coli expert questions Food Standards Scotland's cheese ban (por Carrell Scotland).

Caso os fiscais agropecuários públicos sejam retirados da fiscalização agropecuária, tida como uma atividade exclusiva e típica de Estado, portanto, não delegável para a iniciativa privada,  haverá desastrosas consequências contra a saúde pública e a segurança alimentar da população e incalculáveis prejuízos econômicos contra o  comércio e à exportação de commodities agrícolas, consequências que impactaram negativamente os indicadores socioeconômicos do país.

 

Modificado em 4-3-2021 em 12:50

 

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