Por Rudmar Luiz Pereira dos Santos* 

 

... se dominasse a política de classe, poderia dele, de forma reformista/economicista, se favorecer. 

A fiscalização agropecuária, devido à forma como se estrutura o modelo capitalista, tem a obrigação institucional do garante, ou seja, as condições e os meios para que seja possível a acumulação privada de capital (dinheiro) pelos setores agrícolas dependentes da chancela estatal para as suas mercadorias. Explica-se, por exemplo, a dedicação de tanto empenho político pela área livre de febre aftosa, pois esta condição sanitária (assim imaginam os interessados) possibilitará o garante, as condições e os meios para que específicos setores privados acumulem mais capital e se enriqueçam ainda mais. Afinal, ao fim e ao cabo, tudo no capitalismo gravita em torno das formas mercadoria e valor.

No âmbito desse modelo não é tão estranho assim o avanço dos interesses privados sobre a fiscalização agropecuária, afinal, o órgão governamental que a promove (mesmo obrigado no modelo capitalista e pela legislação a estar 'autonomamente afastado" dos interesses privados) tem um contorno essencialmente político, visto que integra o modelo capitalista com a obrigação, mediante sua atividade-fim, de instrumentalizar o garante, os meios e as condições para a acumulação privada de capital por parte dos setores da agricultura, cujas mercadorias, dependem da chancela estatal.

Hoje, sem exceção, todos padecem devido ao ultraneoliberalismo em curso, cujo objetivo, sem ilusão, é implodir o serviço público estatutário — ou seja, no nosso meio, precarizar a remuneração do fiscal agropecuário estatutário. Ocorre que esse padecimento, que adquiriu uma dinâmica contínua e irrefreável, se deve em grande medida à postura pouco inteligente de uma maioria que não soube valorizar a importância de como fazer uma eficiente política de classe, ou seja, nunca mostrou interesse em aprender como se ter efetivo peso no jogo de interesses governamentais-privados que é preponderantemente dominado pelas formas mercadoria e valor.

Existisse um coletivo com pertencimento de classe, organizado, informado e consciente de suas obrigações em favor do reconhecimento, valorização e justiça salarial; hegemonicamente congregado em torno de um associativismo autônomo e independente, assim sendo, com efetiva capacidade de empreender lutas reivindicatórias capazes de remover montanhas, em outras palavras, com poder de interferir no contexto da normalidade da acumulação privada de capital por parte dos setores agrícolas dependentes da chancela estatal.

Tivesse sido diferente, hoje quem sabe todos sem exceção estariam recebendo um salário justo (na atual conjuntura onde o neoliberalismo avança impiedosamente, obviamente, a justiça salarial está limitada no âmbito da carreira própria e típica de estado). Um salário justo que, inclusive, minimizaria a falta do reajuste geral anual (data-base).

Tivéssemos uma maioria congregada a um associativismo com efetiva força reivindicatória, portanto, com peso de interferência nas formas mercadoria e valor, teríamos chances de exigir a não inclusão ou, no caso que hoje é motivo de muita reclamação (suspensão da promoção, da progressão e do tempo), a retirada da classe do rol de algumas das mazelas neoliberais em curso.

Ocorre que nos últimos anos prosperou em nosso meio um tipo de atroz e destrutiva ignorância que é materializada pelo desprezo, negatividade e reação contrária a toda forma de política associativa que visasse construir uma sólida cultura de organização (táticas e estratégia), informação e tomada de consciência em nosso meio; em decorrência, como efeito colateral, se consolidou uma anticultura do não saber como realizar uma eficaz política de classe, nocividade que ganhou forma orgânica e sistêmica e que hoje abre caminho para toda sorte de sorte de achismos e aventuras incapazes de reverter as mazelas consolidadas ou que estão em curso.

Essa espécie de ignorância, que em nosso meio foi muito bem instrumentalizada para que se tornasse hegemônica e solidamente incrustada, venceu a guerra e derrotou a minoria que, com muita dificuldade e no pauperismo, lutava pela imprescindível consolidação da cultura da organização, da informação e da tomada de [não em alusão ao seu sentido amplo, de leitura histórica, mas de tomada de consciência de luta coletiva; da consciência coletiva de que é necessário se organizar politicamente de forma autônoma e independente, ou seja, que apenas desta maneira, com união coletiva, será possível obter vitórias econômicas/reformistas com o objetivo de desenvolver a hoje estagnada carreira própria] consciência de classe em nosso meio, para somente assim fosse viável a conquista do reconhecimento, da valorização e da justiça salarial.

Pelos próximos anos todos sem exceção, os "vitoriosos" e os derrotados, sofrerão graves prejuízos em detrimento do reconhecimento, da valorização e do salário.

 

_____________

* Presidente da Afisa-PR durante e quadriênio 2019/2022.